A variação é constitutiva das linguas humanas, ocorrendo em todos os níveis.Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa.Assim,quando se fala em Língua Portuguesa,está-se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades.Embora,no Brasil haja relativa unidade linguística e apenas uma língua nacional,notam-se diferenças de pronuncia,de emprego de palavras,de morfologia e de construções sintáticas,as quais não somente identificam os falantes de comunidades linguísticas em diferentes regiões,como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala.Não existem,portanto,variedades fixas:em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades linguísticas,geralmente associadas a diferentes valores sociais.Mais ainda, em uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa movimentação de pessoas e de intercâmbio cultural constante, o que se identifica é o intenso fenômeno de mescla linguística.
O uso de uma ou outra forma de expressão depende, sobretudo, de fatores geográficos,socioeconômicos, de faixa etária, de gênero(sexo),da relação estabelecida entre os falantes e do contexto da fala.A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre o que se deve e o que não se deve falar e escrever, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua.
E isso por duas razões básicas.
Em primeiro lugar, está o fato de que ninguém escreve como fala, ainda que em certas circusnstâncias se possa falar um texto previamente escrito( é o que ocorre, por exemplo, no caso de uma conferência,de um discurso formal, dos telejornais) ou mesmo falar tendo por referência padrões próprios da escrita, como em uma exposição de um tema para auditório desconhecido, em uma entrevista, em uma solicitação de serviço junto a pessoas estranhas. Há casos ainda em que a fala ganha contornos ritualizados, como nas cerimônias religiosas, comunicados formais, casamentos, velórios,etc.No dia-a-dia, contudo, a organização da fala,incluindo a escolha de palavras e a organização sintática do discurso, segue padrões significativamente diferentes daqueles que se usam na produção de textos escritos.
Em segundo lugar, está o fato de que, nas sociedades letradas(aquelas que usam intensamente a escrita),há a tendência de tomarem-se as regras estabelecidas para o sistema de escrita como padões de correção de todas as formas linguísticas. Esse fenômeno, que tem na gramática tradicional sua maior espressão, muitas vezes faz com que se confunda falar apropriadamente à situação com falar segundo as regras de bem dizer e escrever, o que, por sua vez, faz com que se aceite a idéia despropositada de que ninguém fala corretamente no Brasil e que se insista em ensinar padrões gramaticais anacrônicos e artificiais.
Tomar a lingua escrita e o que se tem chamado de lingua padrão como objetos privilegiados de ensino-aprendizagem na escola se justifica, na medida em que não faz sentido propor aos alunos que aprendam o que já sabem. Afinal, a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de capacidades intelectuais e linguística dos alunos, oferecendo-lhes comdições de desenvolvimento de sua competência discursiva.Isso significa aprender a manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar padrões mais próximos da excrita.
Contudo, não se deve mais insistir na idéia de que o modelo de correção estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de lingua ou que corresponda à variedade linguística de prestígio.Há, isso sim, muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não-padrão, consideradas inferiores ou erradas pela gramática.Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, não são objetos de avaliação negativa.
Para cumprir bem a funçao de ensinar a escrita e a lingua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de a de outras, o de que a fala correta é a que o português é uma língua dificil, o de que é preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.
Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural que,além de desvalorizar a fala que identifica o aluno e sua comunidade, como se esta fosse formada de incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde a nenhuma de suas variedades, por mais prestígio que uma delas possa ter. Ainda se ignora um princípio elementar relativo ao desenvolvimento da linguagem: O domínio de outras modalidades de fala e dos padrões de escrita( e mesmo de outras línguas) não se faz substituição, mas por extensão da competência linguística e pela construção ativa de subsistemas gramaticais sobre o sistema já adquirido.
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de falça e de escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permiti-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e as condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas:saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo;saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa - dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem.
MEC.Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros Curriculares Nacionais:terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:lingua portuguesa.Brasília:SEF/MEC,1997,p.29-31.